#11 Viva o cinema brasileiro!
A vitória em Cannes é reflexo da qualidade das nossas histórias, mas também um convite para irmos além do discurso

“A arrogância voltou”, diz a legenda de um dos vários posts que o memesbrasil (antigo Memes Twitter) fez para celebrar as vitórias históricas de “O Agente Secreto” no Festival de Cannes no último sábado (24). Caso você tenha perdido essa informação, um breve resumo: o novo filme de Kleber Mendonça Filho saiu com quatro reconhecimentos importantíssimos de um dos maiores festivais de cinema do mundo, dois paralelos (Prêmio FIPRESCI – Federação Internacional de Críticos de Cinema, que reúne jornalistas de mais de 50 países; e o Art et Essai, concedido pela AFCAE – Associação Francesa de Cinema d'Art et d'Essai, que reconhece a autoria artística dos cineastas) e dois da competição oficial (Melhor Direção e Melhor Ator).
Já seria mérito o suficiente a vibração natural dessas conquistas, mas, talvez, mais ainda por uma série de questões. A primeira é que Cannes não gosta (ou costuma) de premiar o mesmo filme em duas categorias diferentes – com exceção de melhor roteiro + atuações ou prêmio do júri + atuações. Portanto, para o júri deste ano, presidido pela atriz francesa Juliette Binoche, seguir com tal decisão outras frentes do evento foram acionadas.
Depois, temos o fato de que nenhum outro ator brasileiro ganhou tal feito, tornando a vitória de Wagner Moura inédita para o nosso país. Kleber Mendonça Filho, por sua vez, divide a honraria com Glauber Rocha, que recebeu Melhor Direção em 1969 por “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro” – um caminho natural para o crítico-que-virou-diretor, presente no festival com “Aquarius” (2016), “Bacurau” (2019) e “Retratos Fantasmas” (2023). A nossa única Palma de Ouro (ainda) é de Anselmo Duarte com o seu “Pagador de Promessas” (1962).
Para além das salas de exibição, a nossa cultura estava sendo celebrada nos corredores do Marché du Film, a parte dedicada à negócios do festival – porque cinema também é mercado, indústria. Ali, produtoras e distribuidoras conversam sobre possíveis e factíveis compras de direitos cinematográficos (é ali que os filmes podem ganhar projeção internacional com streamings e salas em diferentes países).
No caso de “O Agente Secreto”, temos garantidas sessões nos cinemas dos Estados Unidos com a Neon (mesma de “Anora”, “Anatomia de uma Queda” e “Parasita” ) e no Reino Unido, Índia e América Latina com a Mubi – no Brasil, será distribuído pela Vitrine Filmes. Sim, nosso cinema nacional sendo celebrado também como potencial investimento externo. E depois da boa onda de “Ainda Estou Aqui”, é natural que sejamos olhados e admirados lá fora. Uma nova campanha para as premiações do ano que vem pode já ter começado – e muito bem, obrigada.

Fora do tapete vermelho, outro ponto alto chegou para a produção autoral do nosso cinema: Marianna Brennand recebeu o Women In Motion Emerging Talent Award 2025, iniciativa da Kering em parceria com o Festival de Cannes. A cerimônia celebra mulheres promissoras na sétima arte há 10 anos. A diretora de “Manas”, que está em cartaz (resenha no post abaixo), é a primeira brasileira a receber tal prêmio. “Isso traz visibilidade não só para mim, mas para todas as mulheres incríveis que constroem o cinema ao meu lado – colegas, parceiras, amigas de jornada. (…) Esse reconhecimento fortalece meu compromisso com um cinema de impacto, e me enche de fôlego pra seguir criando com coragem, afeto e propósito”, disse em seu discurso.
Sim, realmente podemos (e precisamos) resgatar um certo nível de arrogância porque as histórias que estão sendo contadas pelos cineastas deste país merecem reconhecimento. Mais do que isso: merecem serem vistas, nas salas de cinema de todo o país, merecem espaço nas plataformas de streaming, merecem chegar em públicos para além de uma bolha específica. “Homem com H”, de Esmir Filho, está na sua terceira semana em cartaz, com mais de 500 mil espectadores. É na unha que se ganha espaço nos horários de exibição.

Que esse sentimento de arrogância positiva (rs) tire a nossa sensação de inferioridade com os “cânones” do cinema internacional, as nossas narrativas também importam. Ano passado foi um ano brilhante para nós, e não só por conta de “Ainda Estou Aqui”. Tivemos “Cidade; Campo”, de Juliana Rojas (Globoplay e Prime Video), “O Dia que te Conheci”, de André Novais Oliveira (Globoplay), “Estranho Caminho”, de Guto Parente (Prime Video), “Malu”, de Pedro Freire (para alugar via YouTube Play e Apple TV), “Motel Destino”, de Karim Aïnouz (Telecine), “Sem Coração”, de Nara Normande e Tião (Netflix). Isso sem contar os curtas, os documentários, as animações. Convide os amigos para uma sessão em casa, indiquem para colegas, levem os familiares para o cinema de rua, faça a sua presença valer e não deixe esvaziar o jargão “Viva o Cinema Brasileiro!”. Ele só vive e sobrevive também por parte de nós, espectadores.
Links para estender a conversa
Rita Von Hunty faz um resumão da história do cinema nacional em parceria com o Canal Brasil – tem a versão petit para quem tem pressa.
Você também pode ler sobre no texto publicado pela Academia Internacional de Cinema – mesmo que desatualizado desde 2019, tem ótimas pontuações sobre o começo de tudo.
Quem gosta de ter livros na prateleira para consulta ou pesquisa, indico: “A Odisseia do Cinema Brasileiro”, “Nova História do Cinema Brasileiro”, “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” & “Cinema Brasileiro: Propostas Para uma História”.
O documentário de Eryk Rocha, “Cinema Novo” (2016) é um mergulho no movimento estético mais famoso da nossa trajetória.
Central Cine Brasil & Cinema Brasileiro são ótimos podcasts para desbravar filmes nacionais e espalhar a palavrinha nos grupos de WhatsApp.
Antes de ir…
Eu comentei sobre a vitória em Cannes no programa Show da Notícia, da CBN, apresentado por Guilherme Muniz. Para quem quiser me ver/ouvir falar, só pular para o 1h27min deste vídeo aqui.
Tem curso novo na área: “Cinema de autoras: novas narrativas visuais”, no MAM, é um desdobramento do meu mestrado, um panorama sobre as mulheres atrás das câmeras a partir de filmes clássicos e contemporâneos. Vem!
Sabia que você pode fazer um passeio literário comigo? Minha experiência como curadora cultural do Airbnb já está no ar, e vamos percorrer as prateleiras de três livrarias de rua de Pinheiros para falar de poesia, contos, romances contemporâneos, autores brasileiros e mais. Garanta seu lugar!
omg, hi pjaycob!
Já te acompanho pelo insta e cai de repente na sua news desbravando o substack!
Eu amei sua visão de tudo que está rolando na industria! Nunca estive tão feliz vendo onde o cinema brasileiro tem chegado e acredito que há um potencial gigantesco dessa comunidade implementar algo como o glamour que o cinema já viveu um dia. É sobre dar palco pra quem realmente tem algo a acrescentar, no meio de uma onde de influenciadores que apelam por atenção e divulgam bets para enriquecer as custas de seus seguidores. É sobre tomar as redes sociais dos veículos de comunicação quando estamos nas manchetes… É sobre levar o cinema a nível de copa mesmo!
Estava preparando uma resenha sobre o tema para postar na minha news e amei descobrir a sua com tantas referências, com um olhar apurado e uma escrita gostosa de acompanhar!