#2 – Multiverso da falta de criatividade
“Psicopata Americano”, remakes, reboots e sequências evidenciam uma crise em Hoolwyood: não existem mais boas histórias para contar?
Ainda em janeiro, o escritor norte-americano Bret Easton Ellis desmentiu em seu próprio podcast o desenvolvimento de um remake de sua obra “Psicopata Americano”, a ser dirigido por Luca Guadagnino (“Rivais”), com Austin Butler (“Elvis”) no papel principal de Patrick Bateman. Os primeiros rumores de uma nova versão dos clássico cult começaram em outubro, na mesma época em que Guadagnino promovia o lançamento de “Queer” em festivais de cinema ao redor do mundo, enquanto outros boatos também escalaram o diretor para cuidar da adaptação de Sgt. Rock no novo universo cinematográfico da DC Comics, longa que supostamente seria protagonizado por Daniel Craig – astro de seu mais recente filme.
Tenho certeza que nenhum cinéfilo queria um remake de “Psicopata Americano”, e antes de Dennis Villeneuve tirar da cartola uma continuação de “Blade Runner”, acredito que muito pouca gente se arriscaria a mexer em um clássico tão reconhecido, único. Mas Gus Van Sant uma vez ousou refilmar “Psicose” quadro a quadro, e aí as portas do inferno da sétima arte foram escancaradas de vez.
Não é de hoje, Hollywood vive uma crise muito mais complicada de solucionar do que tornar Patrick Bateman em garotão gay da alta sociedade de Manhattan. Mesmo assim, a lista dos principais lançamentos cinematográficos de 2025 incluem um remake de “O Lobisomem”, de 1941 (depois do duvidoso “Nosferatu”); outro de “Frankenstein”, de 1931, e outro de “A Noiva de Frankenstein”, de 1935; o início da terceira trilogia “Jurassic Park”; uma continuação de “Extermínio”, outra de “Karatê Kid”, outra de “Dirty Dancing” e ainda uma sequência de “A Paixão de Cristo” com Mel Gibson na direção e o elenco original de volta.
Sobrou até pra Jesus.

Parece que estamos vivendo em uma daquelas correntes de memes do Melted em que as pessoas dão suas sugestões mais aleatórias para um tema qualquer, só que no caso trata-se de uma indústria multimilionária capaz de mudar o zeitgeist mundial. E enquanto a crise aumenta, maior o número de boas produções internacionais abastecendo o mercado interno norte-americano de salas de cinema, criando azarões como “Parasita”, “Anatomia de uma Queda”, qualquer filme argentino com o Darín ou do mexicano Alfonso Cuarón, e, mais recentemente, “Ainda Estou Aqui”.
“As diversas fontes com quem conversei me disseram que era uma notícia falsa para testar o ânimo do público”, disse Easton Ellis em seu podcast. Mais do que isso, pode ter sido uma grande jogada de marketing para levantar a bilheteria de “Queer” e a popularidade de Guadagnino, já que o próprio nunca tratou de desmentir o remake por aí.
Enquanto esperamos a próxima dose de dopamina atingir nossos cérebros com alguma notícia que toca no fundo do nosso fandom – ao ponto de normalizarmos Robert Downey Jr. de volta à Marvel não como o Homem de Ferro, mas como o vilão Dr. Destino (afinal ele usa máscara e por baixo dela o rosto é desfigurado) –, esquecemos que nosso tempo e nossa inteligência valem mais do que qualquer pitch do nível de “Cocaine Bear”. Afinal, em um tempo não tão distante, um roteirista decidiu fazer um filme sobre a mente do ator John Malkovich, enquanto hoje o que há de mais consagrado por aí depende mais de lacres, fundos verdes e explosões.
Mais do que isso, valeria a pena voltarmos a tratar o cinema com seriedade. “Psicopata Americano” é uma obra que merece ser revisitada, sim, mas de forma ainda mais literal que a própria versão de Mary Harron, porque, 25 anos depois, a própria moral de Patrick Bateman voltou a ser celebrada pela mídia, pelo esgoto da internet e pela sociedade em geral – a Paula tem um texto ótimo sobre o assunto. Em vez disso, o suposto remake de Guadagnino subverteria o personagem em um machista gay enrustido – um take possível, mas absolutamente inútil para a história em si.
Que os deuses nos protejam da Mattel topar fazer um filme sobre o Ken para agradar a masculinidade frágil de Mark Zuckerberg.
Abraços,
Artur Tavares
Dos remakes para os covers
Diferente dos remakes, os covers costumam me agradar mais. Geralmente, são homenagens, mas também versões ou reinterpretações drásticas. Gosto principalmente quando essas músicas recuperam uma parte da história ou artistas perdidos. Estas são algumas das minhas favoritas:
Led Zeppelin – “When the Levee Breaks”
Uma das músicas mais potentes já gravadas pela banda inglesa, “When the Levee Breaks” foi composta originalmente há quase um século pela dupla Kansas Joe McCoy e Memphis Minnie, em 1929. O blues conta a trágica história da inundação do delta e do rio Mississipi dois anos antes. A versão do Led Zeppelin começa com a bateria de John Bonham Carter marcando um compasso, logo acompanhada pela gaita tocada pelo vocalista Robert Plant. A guitarra e o baixo tornam a música original, de ritmo simples, em um épico de quase oito minutos que encerra o álbum “IV”, o mesmo de “Stairway to Heaven”. Fun fact: a gaita está sendo tocada de trás para frente na gravação. De quando o rock prestava de verdade.
Faz quase 20 anos, Otto tomou um chifre homérico da Alessandra Negrini. Muito provavelmente afundado em cachaça e drogas, o cantor pernambucano compôs Certa Manhã Acordei de Sonhos Intranquilos, o maior e mais classudo disco sobre dor de corno da música brasileira. Das três músicas que não são de sua autoria, uma delas é “Naquela Mesa”, escrita por Sérgio Bittencourt em homenagem a seu pai, Jacob do Bandolim, samba-canção eternizado nas vozes de Elizeth Cardoso e Nelson Gonçalves. De colocar a pinga no copo americano e chorar junto.
Nascida como uma estação estritamente musical da BBC em 1967, a Radio 1 dedica-se até hoje a transmitir um patamar de qualidade artística difícil de igualar nas ondas FM ao redor do mundo. Quando completou 40 anos, em 2007, a estatal britânica convidou 40 artistas em alta naquele momento para gravar quarenta covers, um hit de cada ano em que esteve no ar. O álbum começa com os Kaiser Chiefs tocando “Flowers in the Rain”, do The Move, então segue com Amy Winehouse interpretando Johnny Nash, Foo Fighters fazendo Paul McCartney & The Wings, Franz Ferdinand homenageando David Bowie, Groove Armada e Natasha Bedingfield tocam Madonna em duas fases diferentes de sua carreira, mas as minhas preferidas do disco duplo são “Too Much Too Young”, dos Specials, na versão do Kasabian; “All That She Wants”, do Ace of Base, por The Kooks, e, claro “Toxic”, da Britney, pelo Hard-Fi.
Nenhum de Nós – “O Astronauta de Mármore”
A maravilha de ser brasileiro é que nós construímos toda uma indústria fonográfica baseada em versões duvidosas de músicas internacionais. E não estou falando apenas de hits pop como “Ragatanga”, “Vou de Táxi” e “Bem Que Se Quis” [aquela da Marisa Monte]. Nos anos 1980, os Titãs apelaram com “Marvin” e “Querem Meu Sangue”; Léo Jaime transformou “So Lonely”, do Police, em “Solange”, e Lulu Santos, ousado, tornou “Get Back”, dos Beatles, em “De Leve”. Melhor mesmo é “O Astronauta de Mármore”, da única banda que realmente importa do rock gaúcho, Nenhum de Nós, um cover de primeira para “Starman”, de David Bowie, aquela que tornou “There’s a starman waiting in the sky” em “Sempre estar lá, e ver ele voltar / não era mais o mesmo / mas estava em seu lugar…” Clássico.
Massive Attack – “Be Thankful for What You've Got”
Uma das mais deliciosas da soul music, “Be Thankful for What You Got” já foi experimentada em praticamente todos os ritmos musicais. Por ter inaugurado o gênero do trip-hop com sua versão, cantada na voz do lendário jamaicano Horace Andy e com um apóstrofo “‘ve” adicionado no título , o Massive Attack merece menção mais que honrosa para fechar o texto de hoje. E porque é sempre legal falar da banda, afinal seria Robert Del Naja o Banksy?