# 6 Os meus favoritos do Oscar
Uma viagem no tempo por filmes que fizeram minha cabeça (e meu caráter)
Publicar uma newsletter na segunda-feira após a ressaca cultural de ver o Brasil ganhar um Oscar no meio do Carnaval é um desafio. Pensando que choveria no molhado se decidisse comentar sobre a premiação deste ano, decidi entrar em um túnel do tempo e falar sobre alguns dos meus filmes favoritos que concorreram ou foram vencedores da estatueta do carequinha dourado que faz a cabeça de todo mundo em Hollywood.
Pesquisando para refrescar minha própria memória dos mais marcantes que já concorreram, percebi como minha cinefilia adolescente acabou moldando boa parte do meu pensamento na vida adulta.
Eu deveria ter uns 13 anos quando comecei a ir sozinho a locadoras de filmes. Os DVDs começavam a ganhar mercado no Brasil, mas a grande maioria das produções ainda eram somente acessíveis em fitas cassete. Como muitos outros da minha idade, o primeiro contato com cinema de verdade foi por meio das coleções da revista Caras e do jornal Folha de S. Paulo, que entregavam semanalmente clássicos vencedores de palmas de ouros, ursos de prata e de outros reconhecimentos que iam além do Academy Award, e a partir de então consumir cinema tornou-se comum.
Um pouco mais tarde, com o advento da internet rápida, as limitações de oferta das locadoras brasileiras foram substituídas pela pirataria. Daí em diante, o final da minha adolescência virou uma investigação profunda sobre filmes vencedores, outras produções feitas por cineastas premiados, sucessos de crítica e público.
De 1957, “12 Homens e uma Sentença” me ensinou sobre justiça de verdade – aquela decidida no tribunal, não baseada no bom senso ou num consenso grego da deusa Têmis. O cineasta Sidney Lumet fez outros filmes com críticas sociais importantes, entre eles os também indicados ao Oscar “Serpico” e “Rede de Intrigas”. Este último, de 1976, é um retrato fantástico da mídia corporativa, das suas manipulações e de como seus profissionais são obrigados a exercer um papel sensacionalista em detrimento dos fatos, muitas vezes confundindo sua própria experiência humana individual com as ideologias de fama, audiência e poder.
Diversos filmes sobre o papel do jornalismo concorreram ou venceram o Oscar, e talvez o mais importante deles seja “Todos os Homens do Presidente”, que retratou o trabalho de Carl Bernstein e Bob Woodward para desvendar o caso de Watergate, um dos maiores escândalos do Partido Republicano norte-americano. Curioso pensar que, 50 anos depois, o novo dono do jornal The Washington Post, Jeff Bezos, tenha decretado, na última semana, o fim dos textos de opinião que não promovam “liberdades pessoais” e o “livre mercado”. Também dono da Amazon e agora da franquia James Bond, que ele prometeu explorar com uma profusão de títulos derivados e pasteurizados como no universo de “Star Wars”, Bezos é um dos homens do presidente Trump que menos se esforça para chamar atenção para si, ao mesmo tempo que é muito mais voraz e menos oportunista que seu parça Zuckerberg.
Ainda na categoria política, “Z”, de Costa-Gavras, foi um dos primeiros filmes a concorrer nas categorias de melhor filme e melhor filme internacional, em 1969, quando a Academia passava longe da ideia de comparar o cinema americano com aquele feito no resto do mundo, algo que só mudou de verdade nesta década de 2020. Enquanto os franceses estavam filmando histórias sobre suas crises burguesas, o cineasta grego fez uma dramatização intensa do golpe militar que seu país havia sofrido em 1967, mas cuja tramóia já acontecia há alguns anos. Gravado totalmente em preto e branco e com conclusões sombrias, “Z” venceu também Cannes, BAFTA e Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro – que a equipe rejeitou, porque o filme foi retirado da categoria de melhor filme de drama naquele mesmo ano.
Espionagem, policial e noir
James Bond disputou diversas vezes o Oscar durante os 60 anos de sua franquia. Com Sean Connery no papel principal, meu favorito é “Goldfinger”, de 1964, em que o espião britânico precisa impedir um engenhoso plano para roubar todo ouro do Fort Knox, iniciando um efeito cascata que levaria ao colapso do Ocidente. No ano seguinte, “Thunderball” faturou a estatueta de melhores efeitos especiais, e não era para menos: 25% do filme foi gravado sob o nível da água, com muitos cenários tendo sido construídos realmente em alguma espécie de profundidade submersa – tudo com um orçamento de 9 milhões de dólares, muito menos do que os prejuízos recentes que a Marvel e outros estúdios tiveram por abusar da mão de obra dos profissionais de efeitos especiais nos últimos anos.
O que mais gosto mesmo é “O Espião que me Amava”, de 1977, o terceiro protagonizado por Roger Moore, em um momento em que a saga surfava no teatro do absurdo, com gadgets cada vez mais engenhosos e situações extravagantes protagonizadas pelo 007. Neste período mais cômico, o filme ficou marcado na minha memória pela cena em que o Lotus Esprit dirigido por Bond se transforma em um veículo subaquático após uma perseguição em alta velocidade contra um helicóptero.
James Bond não conseguiu me tornar um fã de carros, mas com certeza despertou em mim o gosto por praias paradisíacas, cenários cheios de coqueiros, águas azuis cristalinas, os sons de gaivotas, bons drinks, viagens de trem, big bands, uma vida de espionagem, russos e outros “orientais” diabólicos que planejam explodir o mundo – e que curiosamente sempre tentam fazer isso roubando armas nucleares de países democráticos. É ridículo, eu sei, mas gostaria de passar uma semana no Goldeneye, na Jamaica, a antiga casa de Ian Fleming tornada em resort de luxo após sua morte, o lugar onde ele escrevia as histórias do maior macho alfa da dramaturgia cinematográfica durante os verões.
Mais pé no chão, “A Conversação”, de 1974, é um grande filme de Francis Ford Coppola. Gene Hackman – encontrado morto de maneira bizarra nesta semana – é a estrela desse noir sobre um “especialista em vigilância” que se vê envolvido em uma trama de violência e assassinato, que acaba entendendo quantos tentáculos o poder tem. Três anos antes, Hackman havia vencido o Oscar de melhor ator por “The French Connection”, um filme policial, mas também com tons noir.
Por falar em noir, poderia evocar os grandes clássicos dos anos 1940, como “Relíquia Macabra” (ou “O Falcão Maltês”) e “A Dália Azul”. Porém, eles não trazem a mesma carga de reflexão de “Chinatown”, obra-prima de Roman Polanski com Jack Nicholson e Faye Dunaway em uma trama sobre a busca pelo domínio da água e do saneamento público em Los Angeles. História, aliás, que lembra bem nossas milícias cariocas, mas com mais classe no figurino e na trilha sonora. Sei que Polanski é cancelado e considerado criminoso em diversos lugares do planeta, mas isso não me impede de amar “O Bebê de Rosemary”, que é um dos poucos filmes de terror que consegue mexer negativamente comigo, e quase sem esforço nenhum.
Horror e sci-fi
Até a profusão de filmes slasher a partir dos anos 1980, o cinema de horror era bastante presente no Oscar, com o gênero tendo levado muito mais que “O Bebê de Rosemary” à disputa. Em 1976, a adaptação de “Carrie: A Estranha” feita por Brian de Palma é uma das mais memoráveis. A cena do balde de sangue despejado sobre a cabeça de Carrie durante seu prom night que o diga. Até Stanley Kubrick se sentiu inspirado a produzir um rio de sangue saindo das portas dos elevadores do Hotel Overlook, em “O Iluminado”, alguns anos depois.
Antes de ser uma franquia que só produz filmes mais ou menos há 30 anos, “Alien: O Oitavo Passageiro” ensinou toda uma geração a como filmar em ambientes claustrofóbicos. De tão minimalista, precisou de apenas um monstro para aterrorizar os cinéfilos – em preto monolítico construído de verdade por H. R. Giger. Uma pena ver o que “Alien” se tornou com a chancela do próprio Ridley Scott. Já “A Mosca”, remake de 1986 para o clássico Z dos anos 1950, consagra David Cronenberg como o maior cineasta do horror no final do século 20. É também o auge dos efeitos especiais práticos, antes do advento massivo da computação gráfica. O primeiro “Beetlejuice”, de 1988, está na mesma categoria.
Cults
Correndo o risco de deixar ainda maior um texto que já está grande, quero encerrar citando alguns filmes menos conhecidos da audiência em geral, mas que passaram pelo Oscar e tiveram um grande impacto cultural na época em que foram lançados. Em 1968, “O Planeta dos Macacos” original levou às telas a maior metáfora sobre as consequências de uma falta de limite da humanidade sobre a Terra; infelizmente outra história que foi diluída em uma franquia pasteurizada sem objetivo essencial.
De 1970, vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro, “Investigação de um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita” é exemplo da consagração do cinema italiano. Com toques narrativos e estéticos das histórias pulp que estavam no auge na Itália, a produção política trata de um comissário de polícia que assassina sua parceira à sangue-frio para provar que há corrupção no que se entende por justiça e lei.
Em 1971, “O Enigma de Andrômeda”, adaptado do livro publicado por Michael Crichton (“Jurassic Park”), trata do trabalho de um grupo de cientistas para conter um vírus extraterrestre mortífero que chega à Terra junto de um satélite que reentra na atmosfera e cai em uma cidadezinha norte-americana. Eletrizante, faz parte de um gênero de livros de ficção científica mais calcados na realidade do que na ficção.
Por fim, faço menções honrosas à “Platoon”, de Oliver Stone, “Mississipi em Chamas”, de Alan Parker, e “Peggy Sue vai se Casar”, o melhor-pior filme de Francis Ford Coppola, de 1986. Minha lista de favoritos do Oscar não avança além dos anos 1990 de propósito, deixando, quem sabe, esse tema para outra ocasião.
Um ótimo Carnaval!
A.T.
Amei encontrar mais um conteúdo cultural por aqui! Talvez pelo seu interesse, você curta o meu podcast sobre cinema. :)